Crônicas do Quinho



O SANTO DE JUAZEIRO


Crônica do Quinho


05 de janeiro de 2010





Quinho olhava embevecido para a loja dedicada aos títulos da Editora
Companhia da Letras, no Baú do seu Pedro, a livraria grandona no Conjunto
Nacional. Colocava na contemplação todo seu ser. Cofiava o imenso cavanhaque
enquanto parecia absorver, no gesto, todo o ambiente.


─ É santo mesmo, doutor. Estava precisando, o Brasil.


─ Que é isso, Quinho? Quem é santo?


─ Não está vendo? O Padim Cícero. Taí, abençoando a Paulista.


Olhei o imenso cartonado, em tamanho natural, colocado na vitrine para
anunciar o livro de Lira Neto sobre a biografia do Padre Cícero.


─ Virou devoto do Meu Padim? Perguntei, em tom de galhofa.


─ Sempre fui, doutor. É santo mesmo. Até o papa está dizendo que é.
Então é por que é. Não tem dúvida.


─ O papa ainda não disse, retruquei. Essas coisas demoram. Só para
devolver os votos levaram um século, para santificar vai levar outro.


─ Vai não, doutor. Esse mundo precisa de santos e o Padim é um legítimo,
falou sublinhando cada letra. Santo do sertão, santo de verdade. Bem na hora,
quando o Brasil mais precisa.


─ Você acha mesmo? Perguntei


─ Claro. Eu conheci um sujeito que nasceu em Juazeiro, a cidade que ele
fundou. É um ungido do padre. Foi lá só para nascer, receber a bênção e sair
por esse mundo dizendo as coisas boas e santas que meu Padim ensinou. Aprendi
muito com ele. Ele me disse que não tinha porque ter nascido lá, que todo lugar
é bom para nascer, exceto para saber direito o que se passou e ir dizer a toda
gente. Um devoto, um portador da boa nova. Ele me contou tudo sobre o Padim, o
que está no livro e o que também não está.


─ Você leu o livro, Quinho?


─ Li, doutor. Grande livro. Esse Lira Neto escreve muito bem, foi fiel.
Mas tem coisas que não estão nos documentos históricos. Tem coisas que só a
tradição oral pode dizer e testemunhar. Meu amigo, o Leontino, viveu a infância
toda lá, ouviu tudo dos mais velhos, conversou com os romeiros e com as pessoas
de lá. Foi aluno da Dona Assunção Gonçalves e da Dona Amália Xavier, gente que
teve a chance de ouvir o meu Padim. Elas sabiam tudo direitinho.


─ Quinho, porque esse barulho todo com o Padre Cícero? Virou moda?


─ Sabe, doutor, é que Juazeiro do Norte vai completar cem anos de
emancipação política, no ano que vem. Vai ter uma grande festa por lá, que
aquela gente não se esquece das datas cívicas, especialmente das que envolvem a
figura do Padim Cícero. E a cidade é um milagre obrado por ele, pelo que todos
lhe são gratos. De certa forma o livro de Lira Neto antecipou as festividades e
deu uma grande visibilidade para o centenário.


─ É mesmo? Então vai ter muito forró por lá.


─ Vai sim, doutor. Mas vai ter muita missa na catedral e na igreja de
Nossa Senhora de Lourdes também. E nos Franciscanos. E na igreja de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro. Em todas. Porque antes de ser cívico o momento é
religioso. Em Juazeiro tem um reduto sólido de catolicismo popular que tem
resistido a tudo, até mesmo à estupidez religiosa de alguns bispos que passaram
pela Diocese do Crato.


─ É, Quinho, rezar é necessário, mais do que nunca.


─ Mas vai ter forró também, que é só alegria. Cem anos é um tempo
grande. Quem diria! No pé da Serra do Araripe se ergue a cidade. Um milagre
mesmo, contra tudo e contra todos.


Quinho cantarolou a linda canção de Luiz Gonzaga:


Juazeiro, Juazeiro,

Me responda por favor

Juazeiro velho amigo

Onde anda meu amor
?”